domingo, 21 de abril de 2013

sexta-feira, 19 de abril de 2013

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Dando de Caras com um Gigante


Em janeiro de 2007 eu tomei um tremendo susto. Era época de férias, verão e de mergulhos, a época mais adorada que alguém pode ter, o quarto ano seguido em que tinha o privilégio de passar o que tivesse de férias nesta praia muito especial. Compartilhava com os moradores nativos e os poucos visitantes, uma faixa de areia de 2 km paralela a uma caprichosa linha de rochas marítimas que, por se localizar a cerca de 500 metros da praia, proporciona uma grande extensão de águas calmas, favorecidas também por uma pequeníssima, porém charmosa, enseada em sua metade sul.

As férias, e o verão, permitiam tempo e águas limpas para mergulhar à vontade. O verão tinha realmente chegado naquele início de ano, e como é ansiosamente esperado por muitos como eu, os ventos sul e sudeste tinham dado um trégua, oferecendo de vez em quando condições para uma semana inteira de mergulhos diários. Eu e minha companheira oficial de mergulho dávamos continuidade ao nosso “árduo” ofício anual de explorar este quebra-mar natural, que alcançávamos após aproximadamente 18 minutos de nado. Lá, nos estendíamos por 3 ou 4 horas, e sendo um mergulho livre, sem dependência de cilindros, só voltávamos ao não agüentarmos mais o frio ou o sol. Não fosse isto, acho que dissolveríamos na água. “Morte por entretenimento” talvez dissesse o legista.

Mergulhávamos com freqüência em uma mesma área onde algumas pedras sobressalentes na maré baixa nos permitiam descanso sobre a água. Podíamos observar uma diversidade de vida marinha nesta área que, posso dizer, conhecemos bem. Além da abundância de animais símbolos daquele bioma rochoso e raso, como Cirurgiões, Sargentos, Donzelinhas, Salemas, várias espécies de Budiões, Sargos, Caranguejos Eremitas, Lebres-do-Mar, Moréias Pintadas, Ouriços e Lagostas, conhecíamos o suficiente a região para saber os melhores setores para observar as maiores concentrações de peixes, visitas ocasionais de Enxadas e Guaiúbas, e a alimentação de cardumes das velozes Tainhas (Mugil Brasiliensis). Toda essa divertida exuberância fez com que satisfeitos, nos ocupássemos com essa área específica por um bom tempo.


Certo dia, resolvemos variar. Em uma manhã em que o sol e a água limpa destacavam no mar as características áreas escuras com suas rochas submersas, eu e minha companheira estávamos cheios de um espírito explorador que não era acompanhado por nossas pernas cansadas e preguiçosas dos mergulhos anteriores. Convenientemente, pegamos carona em um barco que saia para passeio, escolhemos um setor que parecia ter muitas rochas, e saltamos na água, muito antes de onde costumávamos ir, a apenas uns 60 metros da praia. Para nossa surpresa, nos deparamos com uma bonita área de sedimentos coloridos. Algas e alguns corais refinavam aquele fundo recoberto de pedras claras, marrons, e às vezes avermelhadas como telhas, dando a impressão que estávamos sobre uma obra de alvenaria esquecida não se sabe por quem. Apesar da beleza dos sedimentos, a vida animal era mais escassa, com exceção talvez do maior número de Budiões que zanzavam territoriais ao nosso redor, curiosos e preocupados com aquelas criaturas esquisitas, e por isso seguimos adiante, em direção a um setor próximo.

Chegando lá encontramos o mesmo tipo de sedimento e pensei comigo mesmo que não encontraríamos nada diferente do que já estávamos habituados. Descobri minutos depois que estava errado. Ao nadarmos mais alguns metros, nos defrontamos com um imenso cardume de Arenques. Sobre o limite de rochas e o declínio para o fundo arenoso, estava uma opaca parede prateada formada por esses peixes minúsculos, de tal forma que não conseguíamos nem mesmo enxergar até onde ia o cardume para além das pedras. Ficamos imóveis, com medo de afastarmos aquela visão. Já tinha visto cardumes de arenques, mas nenhum tão impressionante. Imóveis na linha d’água, começamos a observar o cardume se abrindo e fechando rapidamente, sendo cortado por alguns peixes que tentavam aproveitar a mesa posta. O cardume era tão denso que não podíamos observar quais ou quantos peixes estavam se alimentando ali, tive a impressão de ver alguns sargos e uma pequena Cioba, e ficou óbvio que ele simplesmente não ia se desfazer ou se afastar tão facilmente. Aos poucos começamos a nadar com menos receio em sua direção e comprovamos isto. Entusiasmados com o fato, passamos a atravessar adentro o cardume e ouvíamos o som que aquele movimento coletivo e extremamente organizado causava. “- Bom, ganhei o dia!” pensei comigo, “ - Este deve ser o mergulho mais interessante que já fiz!”

Eu estava adorando aquele encontro, mergulhava ao redor, procurava o fim do cardume e não o achava, era impressionante. Então, em certo momento, me afastei de minha companheira, e fui até o limite das pedras, que declinava até o fundo de areia a uns 6 metros de profundidade, tomei fôlego e mergulhei. Desci até as pedras, me segurei e olhei para o fundo, ainda estava tomado de arenques. Nadei então vagarosamente até encontrar a areia, escolhi um lado, e fui contornando as pedras pelo fundo. Enquanto nadava, olhei para o lado e percebi que as pedras começavam a convergir em locas, que pareciam grandes. Estava pensando que após subir, mergulharia e daria uma olhada naquelas locas quando percebi que os arenques estavam mais agitados, indo freneticamente de uma lado para outro, em uma fuga diferentemente desordenada. Estavam inclusive se chocando contra mim, como se viessem da direção oposta. Pensava: “- Devem estar se sentido encurralados...” quando fui surpreendido por um enorme “BUM!!” (parecia que alguém pesado havia pulado de um trampolim e caído sobre minha cabeça) e então eu vi... Cruzando pela minha frente estava um monstro marrom e branco que jamais esperaria encontrar naquele local. Aquilo foi tão inesperado que me fez vivenciar aquele efeito do qual ouvira falar onde a única coisa que continua funcionando no seu corpo são seus olhos, que no meu caso, acompanhavam o deslocamento de uma locomotiva submarina.


Pude até ouvir as engrenagens do meu cérebro colapsado quando voltava a girar aos poucos e começar a produzir um reconhecimento: "- Um mero... um mero!? UM MERO! O QUÊ!?" Confuso, metade excitado e metade apavorado, nadei de volta a superfície com uma careta em lugar de meu rosto (pálido e zarolho foi a descrição posterior) e anunciei sorridente: "- Sabe o que tem aqui embaixo? Um MERO!" E pelo “- É?” que ouvi de volta, soube imediatamente que minha companheira não sabia da fama do tamanho deste peixe fenomenal. “- Ele é enorme! Você não tem idéia!”. Depois de desacelerar meu coração e colocar as idéias em ordem, tomamos fôlego e fomos procurá-lo. Nada no primeiro mergulho, nada no segundo... Nem no terceiro. Pelo estrondoso “bum” que ouvira, tudo indicava que ele também havia se assustado (não mais do que eu) com o encontro inesperado e se afastado com um forte golpe de nadadeira.

Uma pena. Era uma grande oportunidade de interagir com esse peixe que não passa de um gigante cândido, com quase nenhum predador natural, e que por isso, é muitas vezes completamente destemido com os humanos, fator principal para que seja de relativa fácil captura, apesar de seu tamanho. Sei que os nativos daquela praia já mataram centenas de meros (Epinephelus Itajara) naquela região, e que não perdem a chance de fazê-lo quando encontram algum apesar da proibição estrita de sua pesca. Gosto de pensar que se ainda foi possível encontrar um peixe daquele porte em um local tão próximo da praia, em um local que não falta caçadores, talvez esse peixe seja mais furtivo do que se imagina, apesar de no fundo não acreditar nisso. Ao menos, quando o procurava novamente encontrei toda uma zona com grandes locas, grandes o suficientes para abrigar discretamente um colosso com centenas de quilos, cuja localização não revelo para ninguém. Se ele ainda está por lá, ainda vou encontrá-lo.

Fotos: O fantástico close do mero é de Douglas David Seifert, fotografia com a qual competiu na Shell Wildlife Photographer of the Year de 2007 na categoria The Underwater World. Uma ótima iniciativa do Natural History Museum de Londres, e da BBC Wildlife Magazine. Vale a pena conferir a competição! Infelizmente não encontrei a referência autoral para a foto das Tainhas. E a segundo foto do mero é de Walt Stearns: http://www.waltstearns.com/